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Pedalina de primeira viagem – um relato do encontro de fevereiro de 2011

7 fev

Minha bicicleta foi embora junto com minha infância. Lembro de ter vivido “horrores” com ela: sem uma mão! Sem a outra! Agora de pé! Manobras que já acabaram até num lago, ladeiras sem freio. Livre, livre, livre. Eu corria mais que os moleques (e por que não poderia?), e sentia que podia fazer qualquer coisa.

Esse tempo passou. Nem sei o que aconteceu àquela bicicleta. Junto com as responsabilidades, e as contas para pagar, veio um apartamento minúsculo, no centro de São Paulo, onde vivo sozinha. Fiz na parede um desenho para lembrar de não me deixar aprisionar nunca: passarinhos que escapam de uma gaiola aberta e voam rumo à janela.

Minha relação com a cidade não é das piores: já cheguei a demorar três horas para chegar à faculdade, mas hoje moro bem perto do trabalho, não tenho carro, faço tudo a pé, ou de ônibus. Só que depois de morar um ano em Lyon, na França, sempre achei que poderia ser melhor. Ali começou a experiência da Velo’v, bicicletas espalhadas pela cidade que você pode pegar, de graça, com o mesmo cartão do transporte público. Eu cruzava a cidade com elas, margeando o rio Ródano…

Eu achava que, no centro de São Paulo, aquilo seria impossível. Só os loucos se arriscam. Até que o meu presente de natal de 2010 – que meu namorado me ajudou a comprar – foi uma bicicleta. Ele reformou a sua, já parada há muitos anos. Foram precisos dois fins de semana para entendermos que sim, era difícil, mas possível. Primeiro, o minhocão de domingo, o centro velho, a Luz. Depois, a deliciosa descida ao Ibirapuera e a (argh!) dura subida de volta.

Sábado, 5 de fevereiro

Um passeio pela internet me fez cair no blog das Pedalinas, e ver que, justo no dia seguinte, havia um encontro (como todo primeiro sábado do mês) na Praça do Ciclista. Embalada pelas minhas recentes descobertas, resolvi conhecer de perto esse coletivo. E aí está o barato da bicicleta. A relação com a cidade, com as pessoas. Moro no mesmo apartamento há mais de um ano, e me envergonhava de não conhecer nenhum vizinho. Pois no sábado, ao pegar minha bicicleta na garagem, conheci um morador ciclista que também saía para um passeio. Subimos um pedacinho da Augusta juntos.

Na Praça do Ciclista, me dei conta da diversidade do grupo. Uma menina circulava livros de mecânica de bicicletas, que acabara de comprar nos Estados Unidos. Outras diziam que, pela primeira vez, pedalavam na rua. Nara, médica, não recebeu exatamente um incentivo do marido ao sair de casa (“Cuidado! Você viu que um ciclista atropelou um velhinho na rua, no Rio, e morreram os dois?”), mas estava tão orgulhosa da conquista de chegar até ali pedalando que ria alto da preocupação do companheiro.

E as cerca de 30 meninas (mais tarde, quando algumas outras se juntaram a nós no Ibirapuera, contei 31) tomaram a pista central da Avenida Paulista. Algumas, bem experientes, seguiam na frente e paravam um cruzamento, quando necessário. Outras se extasiavam com a primeira vez logo ali, naquela avenida enorme e hostil às bicicletas. O coletivo chamava a atenção de todos na calçada. Muitos sacavam suas máquinas fotográficas e clicavam a cena – turistas? Jornalistas? Curiosos? Alguns acenavam contentes, e outros homens faziam comentários machistas que reafirmam não só a necessidade de grupos como o Pedalinas, mas a luta constante das mulheres por uma relação de gênero mais justa.

Piquenique e bate-papo

Na Praça da Paz, no parque do Ibirapuera, um piquenique permitiu agradáveis bate-papos, em que ouvi as mais inesperadas histórias. Reconheci, no colar da italiana Michela, um pingente com a figura do Handala, um menino descalço, virado de costas e com as mãos para trás, símbolo da resistência palestina. Conversamos sobre isso, nossas relações com o tema, e também sobre a cidadezinha de Campagnano di Roma, de meus antepassados, que Michela conhecia (descobri por ela que há um grande festival de artistas de rua lá!).

Em uma rodada de apresentação, veio a pergunta: quantas de vocês vêm pela primeira vez? Para minha surpresa, quase metade das meninas eram novatas. E conhecemos muitos motivos que as levaram até ali: uma se apaixonou por um ciclista, terminou com ele e ficou com a bicicleta; outra incentivou o namorado a andar; outra precisava de uma alternativa ao ônibus que, lotado, fazia um caminho estúpido para chegar ao seu trabalho; outra, que tem uma deficiência visual, descobriu na bicicleta a melhor forma de se locomover pela cidade.

Na volta, subindo o morro rumo à Paulista, contava para Laura, francesa, sobre o – desigual – sistema educacional brasileiro. Com o fôlego e o francês enferrujados, tive uma agradável subida, devagar e sempre, que eu ainda não tinha conseguido completar sem parar. As mulheres foram se separando aos poucos, até que a última se despediu de mim, na Rua Frei Caneca. Segui sozinha até minha casa.

Nessa noite, recebi uma amiga e ouvi surpresa que, em sua família, nem ela, sua irmã ou sua mãe sabem pedalar. Acha que já está velha demais para isso… mas de jeito nenhum! Por histórias como essas, as Pedalinas organizam desde oficinas de mecânica para mulheres (só de conversar neste sábado, aprendi uma coisa tão trivial quanto olhar no pneu a quantidade de libras para enchê-lo) a passeios para iniciantes. Que nenhuma mulher que tenha vontade de pedalar desista, por falta de companhia, coragem, ou por excesso de proteção e preocupação de seus companheiros.

Redescobri o gostinho de liberdade de andar de bicicleta como fazia na minha infância, e estou descobrindo as dores e delícias de fazê-lo em uma cidade caótica como São Paulo. Espero que a emergência de coletivos como o Pedalinas, tão criativos e engajados, estimulem cidadãos e poder público a construir uma cidade mais sustentável. Estou nessa. Até o próximo encontro!

*Fotos de Camila e Aline. Veja mais aqui.

quem pedala, vê

22 ago

uma das coisas mais legais de pedalar pela cidade, é perceber coisas que antes passavam despercebidas.

é olhar para a cidade e se relacionar com ela de uma forma muito mais delicada, intensa e íntima.

já passei embaixo dessa ponte (barra funda) várias vezes de ônibus ou carro… só agora, quando passei por lá com a minha magrela, que fui reparar a “casa” dessas pessoas. Me comoveram os quadros na parede, as coisinhas arrumadas, o cachorro preso para não fugir, o cuidado com o que pra eles é realmente “casa”…

quer ver e conhecer a cidade? váaaaa… peladar!

Perfil: Sumira, a ciclonômade

2 jun

Conheci a Sumira quando voltava da Juréia, após saciar a população de insetos local, na companhia do André e do Aragon.

Eu segurava a bicicleta na balsa, quando a Sumira se aproximou e começou a  contar sua história: faz 4 anos que ela percorre o país com suas 3 filhas e 3 bicicletas (a filha mais nova ainda vai na garupa da mãe). A família já cruzou o Alagoas, Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, tudo, como define Sumira, no “ritmo delas”: pedalando devargar, curtindo a paisagem e vendendo alguns artesanatos no meio do caminho.

Um feliz encontro que mostrou que há muitas mulheres pedalando mais longe e por mais tempo do que a gente imagina =)

Ciclonômades: Sumira e a filha mais nova

Ciclonômades: Sumira e a filha mais nova

Drielle Alarcon