Estava aqui folheando um livro incrível sobre as imagens arquetípicas. Elas surgem nos nossos sonhos, fabricadas espontaneamente pelo inconsciente e – o mais maluco e poético – é que essas imagens ou símbolos estão presentes no inconsciente de diferentes pessoas, em diversas culturas e épocas. Claro que o significado dos símbolos varia bastante de acordo com a personalidade e o contexto das sonhadoras e sonhadores em questão, mas existem traços comuns e interpretações muitas vezes semelhantes desses arquétipos nos sonhos. O estudo dos arquétipos na psicanálise foi iniciado por Carl G. Jung, mas as pessoas nunca deixaram de sonhá-los…
Bom, aí eu tive um ímpeto irresistível de espiar o que disseram sobre a bicicleta. Aqui está:
“As abas do casaco levantadas pelo vento a desaparecer em direção ao horizonte na fotografia Em direção à luz, de Georg Oddner, captam por si só a alegria que a conquista da velocidade despertou no século XIX, a era frenética de possibilidades de expansão, quando a bicicleta se tornou popular. Funcionando sem motor, escape nocivo ou ruído poluente, a bicicleta é considerada a invenção mais eficiente alguma vez concebida para a propulsão humana, especialmente após quase dois séculos de aperfeiçoamentos experimentais. Tal como o avião, a bicicleta encontrou rapidamente um lugar duradouro na imaginação popular e na paisagem dos sonhos. Em particular, a bicicleta evoca simbolicamente um veículo de energia psíquica e progressão (a bicicleta não anda para trás) que é pessoal e não coletiva, e que está sob o comando do ego individual. A exceção é a antiquada “bicicleta feita para dois”, que sugere o movimento de um romance propulsionado para a frente através do Eros sincronizado do casal. Para alguns, o pedalar rítmico da bicicleta sugeriu energias sexuais que fazem andar a roda da vida. A bicicleta sempre significou independência e liberdade na orientação do curso diário de uma pessoa e o desvio das suas aventuras ocasionais. Susan B. Anthony – refletindo sobre o seu papel no desaparecimento da armação da saia e do espartilho – afirmou que “a bicicleta tinha feito mais pela emancipação da mulher do que qualquer outra coisa no mundo” (Bly, 10).
Em direção à luz, de Georg Oddner (1999, Suécia).
Atualmente também associada às corridas profissionais e esportes radicais, a bicicleta, enquanto veículo intimamente pessoal, tornou-se igualmente emblemática de velocidade, de desafios arriscados e de transcendência dos limites conhecidos das capacidades de um indivíduo. Nós estamos tão habituados às maravilhas da bicicleta que é necessário uma rara demonstração da elegância acrobática de um monociclo para nos lembrar que andar de bicicleta é, acima de tudo, um feito de equilíbrio. Sem movimento e equilíbrio entre mente e corpo, o ciclista não avança suavemente e cai no chão. O encanto visível na cara de uma criança que dá os primeiros passos é revisitado quando aprendemos a andar de bicicleta. A sensação inicialmente anti-natural de encontrar o equilíbrio nos pés reaparece quando um ciclista se lança numa instável viagem virginal, virando comicamente o guidão de um lado para o outro antes de, por fim, se afastar com a elegante facilidade para a qual a engenhosa bicicleta foi concebida numa era de arrojadas invenções.”
[Referência do artigo da Nellie Bly, que citou a Susan Anthony: “Champion of her sex”, publicado pelo New York Sunday World, em 2 de fevereiro de 1896.]
Pra quem quiser saber mais sobre os símbolos, o livro é esse aqui, ó: Kathleen Martin (Ed.). O livro dos símbolos: reflexões sobre imagens arquetípicas. Colônia: Taschen, 2012.